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A Casa da Cabrita

A Casa da Cabrita

Ter | 18.02.20

Temos de gritar Amor mais alto

Rita

Ontem comentei com o meu namorado o caso do Marega. Partilhei com ele a vergonha e revolta que sinto, não podendo, de todo, tentar compreender a dor e revolta que ele sentiu e sente. Pelos vistos, há uns dias aconteceu algo semelhante na Alemanha. Mas em bom. 

No passado Domingo, no jogo entre SC Preußen Münster e Würzburger Kickers, um adepto decidiu fazer sons de macaco quando o jogador Leroy Kwadwo se aproximou da linha lateral. Não só o jogador identificou o animal em questão, como a claque o expulsou do estádio entoando cântigos anti racismo - "Anti-Nazi". Acabou por ser levado pela polícia e preso. 

O jogo foi interrompido, as claques de ambas as equipas aplaudiram os jogadores para os relembrar que estavam num sítio seguro e os jogadores confortaram Leroy Kwadwo durante largos minutos, até o jogo recomeçar. Isto era o que deveria ter acontecido em Portugal. 

Infelizmente, parece que há racismo em todo o lado. Mas não o devemos aceitar, desculpar, varrer para debaixo do tapete. Culpar os outros. Culpar a vítima. Se assistimos a racismo e não tomamos uma posição, estamos a pactuar com o racismo.

A Alemanha terá sempre a sua história manchada pelo racismo. Mas, neste caso, temos muito a aprender com eles.

Sex | 14.02.20

Coisas estranhas que os alemães acham perfeitamente normal

Rita

Já moro em Estugarda há 10 meses. E morei mais de um ano em Berlim. E há uma lista de coisas às quais não me consigo habituar e que, para os alemães, é o pão nosso de cada dia:

1. As pessoas olham.

Eu fui educada por pais fantásticos que repetiram até à exaustão frases como "Rita, não se aponta!"  e "Rita, não olhes assim para as pessoas!". Mas, claramente, isto não é prática comum na Alemanha. Eles olham. E não é olhar para alguém fora do comum, ou que chame à atenção, é olhar para toda a gente. Partilhei isto na minha aula de alemão e descobri que existe até um termo para isto: The Germanic Stare Down. Nem tudo é mau, há dias em que me sinto um grande canhão com todos os olhares. Mas também há outros em que preferia que as pessoas não reparassem que fui de fato de treino comprar um balde de pipocas. 

2. Ao Domingo é dia de descanso. Para todos.

Está/estava mesmo intríseco em mim ir às compras a um Domingo. Como assim na Alemanha eu não posso participar no comportanto (ligeiramente depressivo) de ir fazer compras ao Domingo? O típico passeio dos tristes. Para eles, Domingo é dia santo. Não em termos religiosos, mas em termos literais. É dia de estar com a família e de relaxar. Tanto que não é permitido fazer barulho nesses dias. Literalmente, eu posso chamar a polícia se achar que o meu vizinho está a ser demasiado barulhento. É por isso que eu nunca aspiro. Sabe-se lá quando é que a polícia me bate à porta.

3. Os alemães não sabem fazer filas.

Eu já escrevi muito filas aqui. Mas os alemães continuam a surpreender-me neste ponto. Não só não sabem o que é ter espaço pessoal em filas - parece que tenho que estar sempre a levar com aquele dióxido de carbono quentinho no pescoço - como também não percebem o conceito de fila. Não percebem. Os seus cérebros não dão para mais. Não dá perceber que deve ser uma recta. Uma linha. Uma pessoa atrás da outra. Fico nervosa sempre que uma criatura se mete ao meu lado na fila do supermercado. Quando a pessoa à minhe frente avança, eu avanço. Se o meu colega do lado se mexe, espeto logo um olhar mal encarado. Mas, como já expliquei, as pessoas olham-se assim normalmente, portanto comecei a entender que ninguém levava aquilo como mal olhado. Agora, em época de coronavírus prefiro tossir. É ver toda a gente a dar-me o espaço que preciso. Se tiver ranhoca, até saem da frente.

4. Toda a gente é um pai ou mãe.

Não digo isto no sentido literal, mas dar uma reprimenda a alguém desconhecido é totalmente normal. Já vi n vezes pessoas a pedirem a outras para não ouvirem música alto nos transportes, para tirarem o pé de bancos do comboio, para não fumarem ao pé de crianças (isto porque na Alemanha ainda é legal fumar em espaços fechados). Vejo sempre o olhar vitorioso dos  que repreendem. São seres superiores, pelos vistos.  Eu fui repreendida uma vez. Estava a ter um dia mau, mas também achei a situação parva. Num supermercado, quando o tapete da caixa ficou livre, eu coloquei as minhas coisas. O senhor à minha frente gritou comigo porque ele ainda não tinha colocado o separador entre as compras dele e as minhas, portanto eu não tinha direito a colocar os meus items no tapete. Desculpa mãe, desculpa pai. Claramente falhei.

5. O sinal vermelho dos peões é para ser respeitado.

Eu sou um peão responsável. Olho para um lado, olho para o outro, olho para o primeiro lado novamente e depois avanço. Essas tretas todas que nos salvam a vida. Contudo, se não vier nenhum carro, e se não houverem crianças por perto, eu vou avançar. Independemente da cor do semáforo. Contudo, os "pais" e "mães" deste país até batem palminhas mentais ao ver este comportamento, todos doidos de satisfação. Podem repreender alguém, finalmente! Até os consigo ver a levar um banquinho para um semáforo e ficar ali o dia todo. À espera da presa. 

Questiono-me qual será a lista que eles fariam sobre as coisas estranhas que os portugueses acham perfeitamente normal. Suponho que comece por "Ao Domingo toda a gente vai fazer compras". 

Ter | 11.02.20

Eu sou católica e aceito a eutanásia

Rita

Durante muitos anos, fui à missa todos os Domingos com a minha avó. Aos sábados tinha 1h de catequese. Fui escuteira. Fui batizada, fiz a primeira comunhão e a profissão de fé. Até fiz parte de uma tuna religiosa, onde aprendi a tocar cavaquinho. Mas sempre tive dificuldade em acreditar nos testamentos, na história, nas crenças. Aquilo parecia-me, e parece-me, tudo questionável. Felizmente, sempre tive catequistas e um padre que apoiavam a minha vertente crítica. Que me motivavam para manter a minha mente aberta e a desenvolver vários pontos de perspectiva. A catequese ajudou-me muito a perceber o que é empatia. Mas sei que não é assim em todo o lado. Há pessoas que vêm no cristianismo tudo o que é certo. E tudo o resto é errado. 

A pergunta que me fez sempre confusão é: acreditas em Deus? E a minha resposta é não. Aliás, preferia dizer que não sei. Mas sendo uma pergunta de sim ou não, sinto que ao não conseguir dizer que sim, tenho que dizer que não. 

A verdade é que, sempre que há algo que me foge ao controlo, gosto de imaginar uma força maior que saberá o que está a fazer e que nos vai "guiando". Isto sou eu a tentar tornar uma situação incontrolável controlável. Houve muitos momentos em que senti necessidade de falar com essa força maior. Quase que para exteriozar o que sentia. E começo sempre com um "Olá, Deus". Sinto-me sempre parva quando digo essa frase. Porque, lá está, eu não acredito que alguém me estará a ouvir. Mas o falar alto ajuda quase sempre. Portanto, de certa maneira, lá está a força maior a ajudar. 

As minhas maiores inspirações em termos religiosos são as minhas avós. Ambas acreditam fortemente na Igreja e nos valores que apresentam. Mas também conseguem ver para além disso e aceitar outros estilos de vida. Só querem ver felicidade à volta delas. Por exemplo, ambas têm algumas dificuldades em aceitar relações homossexuais, mas acreditam que todos devem ter o direito ao casamento e a expressar o seu amor livremente. 

Hoje li que a igreja Católica decidiu apoiar as iniciativas contra a despenalização da eutanásia. Também li a quantidade de comentários de pessoas a favor e a contra. Comentários feios e sem tacto. Cheios de ódio gratuito. Pessoas a generalizar que todos os católicos são contra a despenalização da eutanásia.

Eu sou a favor. As pessoas podem e devem tomar a decisão por elas. Obviamente que com o devido apoio e acompanhamento. Quando vejo cartazes a dizer "Não mates, cuida", treme-me a vista. Não pode haver uma generalização do conceito. O objectivo da eutanásia não é matar as pessoas. É ajudar um doente terminal a tomar controlo sobre a sua situação, com o mais conforto possível. A eutanásia pode fazer sentido para a pessoa A e não para a pessoa B. Mas ambas devem ter a possibilidade de tomar uma decisão informada. 

Informação acho que é a palavra chave. Nos dias de hoje as pessoas esperam que a informação apareça toda em segundos e facilmente. Estamos preguiçosos. Contudo, para formarmos uma opinião, temos que pesquisar. Temos que ler, temos que filtrar e temos que ter a capacidade de ter uma mente aberta durante o processo. Sejam a favor ou contra a despenalização da eutanásia, que o sejam informados. E, se o referendo acontecer, vão votar e expressem a vossa opinião no sítio que realmente interessa.