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A Casa da Cabrita

A Casa da Cabrita

Qui | 09.05.19

Estão a ver quando querem muito uma coisa?

Rita

Estou na fila do Santini. Final de tarde espectacular. Está fila, mas aguenta-se. Afinal, é gelado do Santini. Penso no sabor que quero. Uva branca. Está escolhido. Não vou escolher, pela milésima vez, o doce de leite. Já provei, é maravilhoso e nunca desaponta, mas preciso de coisas novas. Espero mais um pouco. Finalmente, chego à caixa e faço o pedido. Dirijo-se ao balcão. Entrego o talão. Peço o sabor que quero. Recebo o gelado. Olho para o sabor doce de leite. Será que cometi um erro e que vou ter que voltar para a fila?

 

Foi esta a sensação durante as minhas primeiras 3 semanas na Alemanha.

 

Eu queria muito vir para aqui. Muuuuuuuito. Pensei e planeei isto, assim mais a sério, durante quase um ano. Queria arranjar emprego, arranjar um apartamento e ter uma vida bonita e bem alemã durante uns anos. Pensei, sonhei, lutei e... cá está. O que eu me esqueci de pensar foi no que realmente significava arranjar um emprego, um apartamento e uma vida cá. Esqueci-me que não posso ter duas vidas. Ou é uma ou é outra. Uma coisa super óbvia, mas que só me apercebi quando cheguei cá. Como assim novos colegas de trabalho? Como assim pintar, limpar e enfiar mobília numa casa nova? Como assim não posso ir ter com os meus amigos ou com a minha família depois do trabalho? Dei por mim a detestar todas as coisas novas que queria tanto porque, lá está, não podia ter as antigas.

Pensei várias vezes em pegar nas malas. Em chegar a casa dos meus pais e dizer "SURPRESA!". Em ligar à minha antiga supervisora e pedir o meu emprego de volta. Afinal, não queria nada do que estava à acontecer. Não queria mais tinta, não queria mais caixas, não queria mais ter de escolher mobília, não queria voltar para um emprego onde as pessoas são simpáticas, mas não são amigas, não queria ver os meus mais próximos apenas a partir de um ecrã.

 

Foram 3 semanas más. Mas, aos poucos, aquele sentimento de desconforto e insegurança vai passando. Já não há mais caixas para esvaziar, já não há mais mobília para montar, já não há mais paredes para pintar. Já conheco melhor as pessoas do trabalho, já me sinto (ligeiramente) útil e não só uma pessoa estranha a nadar na maionese. Já agendei skypes, já marquei futuros jantares para quando estiver em Portugal e já agendei férias. Já assentei. Não, ainda não atingi o pico de felicidade que achava que ia atingir mal chegasse cá. Mas já consigo acreditar que isto tudo vai valer muito a pena.

 

O doce de leite ia ser muito bom, como sempre foi, mas eu realmente tinha que provar uva branca.