O Tino
Em 2017, comprei o meu primeiro carro. Foi a minha primeira grande compra, que envolveu um "crédito" feito à minha mãe e muitos meses de pagamentos. Recebia o meu ordenado da altura, e pagava imediatamente a mensalidade do carro. Foi por essa altura que me senti mais adulta, seja isso o que for.
Na altura, a matrícula do carro veio com as letras "TR" e batizei-o de Tino de Rans. O "de Rans" perdeu-se com o tempo, mas o Tino ficou para sempre, inclusive quando veio para a Alemanha e a matrícula foi alterada. Achava (e ainda acho) piada dizer a qualquer pessoa, que pudesse ficar preocupada com alguma viagem, "Está descansado(a), que vou com Tino".
O Tino é um carro, um objecto inanimado. Eu tenho noção disso, mas é-me difícil retirar a emoção da equação, sempre que penso em momentos épicos que vivi naquele carro:
- A primeira viagem "grande" que fez, quando eu e o Patrick decidimos ir a Mira D'Aire, Leiria e Nazaré.
- Uma viagem ao Soito, em que foi cheio até ao tecto.
- Horas a treinar a apresentação da defesa da minha tese enquanto estava estacionada no parque da FCUL.
- Sair de Lisboa em direção ao Carvalhal, para aproveitar os fins de semana de Agosto.
- Boleias infinitas que dei a amigos e que proporcionaram conversas incrivéis.
- Uma jornada épica Lisboa - Estugarda, feita pelos meus pais.
- Uma ida (ligeiramente ilegal) à floresta da Bavária.
- Muitas horas a ouvir podcasts e a aprender sobre tudo e mais alguma coisa.
- Mais horas ainda a gritar em plenos pulmões "Bohemian Rapsody" e qualquer hit dos Queen que aparecesse na rádio.
- Uma mudança de casa em que carregou quilos e quilos de caixas durante semanas consecutivas.
- Desenterrá-lo sempre que havia um nevão, pedindo a todos os santinhos que estivesse tudo bem com ele (e estava sempre).
Estes são apenas os que me lembro de repente, mas há tantos outros.
O Tino sempre foi o meu símbolo de liberdade. Já não dependia da disponibilidade dos meus pais ou de transportes ou de qualquer horário, tinha ali o meu carro. Também se tornou um símbolo da minha vida pós faculdade em Lisboa, um dos poucos que ainda tenho.
Vou vender o Tino esta semana e tem sido difícil lidar com a separação. Ela tem que acontecer, porque infelizmente o espaço do Tino é reduzido para uma família de 3. Espero que seja comprado por uma "Rita", que aproveite o carro tão bem quanto eu aproveitei.
Adeus, querido Tino, que nos cruzemos na estrada em breve. Não dês problemas à tua nova família, especialmente antes do dinheiro deles nos cair na conta.